ONDE ELES MORAM
Esse projeto é inspirado por duas viagens que realize na região sul do Brasil, a chamada “Serra do Corvo Branco”, situado no estado de Santa Catarina.
Essa cadeia montanhosa é parte de um cânion de 200 quilômetros conhecido como “Aparados da Serra”, onde o altiplano se estende até o nível do mar, criando um desnível de 6000 metros que resulta em uma topografia dramática com fendas e agulhas, parcialmente coberto pela densa vegetação da Floresta Atlântica, o ecossistema com a maior biodiversidade do planeta. É dito que essa falha geológica teria origem na separação entre os continentes da África e da América.
A Serra do Corvo Branco recebeu esse nome por ser o lar do Urubu-Rei, um pássaro imponente que foi confundido pelos primeiros colonizadores com um corvo branco.
No entanto, os primeiros habitantes da região acertaram ao nomear a região com um nome de pássaro, pois na verdade, os verdadeiros donos desse lugar são os pássaros. Sua variedade, cantos e vivacidade me fascinaram.
Durante 4 meses, viajei na Serra do Corvo Branco para fotografar os inúmeros pássaros da região, mas eles sempre escapavam de minhas lentes. E chegou então um momento em que senti que estava me tornando um deles. Eu era um daqueles pássaros. Eles tinham algo a me contar; algo terrível sobre o absurdo que é a atormentada condição humana.
Dedico essa série de esculturas-pinturas a esses Pássaros e à terra onde vivem. Além dos meses de pesquisa e fotografia na Serra do Corvo Branco, o trabalho final me tomou nove meses de dedicação exclusiva.
Estar na companhia dos Pássaros é uma aventura em si. Mas pinta-los é uma estória mais complexa ainda. Durante meu processo criativo, aqueles Pássaros tornaram-se fantasmas dos bastidores de um teatro… como que se posassem em frente de um papel de parede… mirando um cenário evanescente… Os Pássaros entraram nos meus sonhos, desvendando quem é o sonhador. Foi através de seu olhar insistente que as paisagens-miniaturas se revelaram. A magica da Testemunha foi então descoberta: se não ha testemunha, não existe mundo.
“Quando o mundo é real, você é um sonho.
Quando você é real, o mundo é um sonho.”
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A série (QUAL TITULO DA SÉRIE?) é composta de 9 livros cujo eixo estético é duplo: um lado é pintado e o outro lado é esculpido. Encontrei esses livros em vários sebos em Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina. Os livros fazem parte de uma série de clássicos literários publicados no Brasil na década de 50. A encadernação é feita com linho, que desbotou com o tempo. As delicadas nuances de jade desse tecido me seduziram e me inspiraram na escolha da palheta de minha pintura.
A série pode ser vista como uma metáfora do “Coro de Pássaros” do autor japonês Utamaro, século XVIII. Nesse famoso livro em forma de acordeão, o autor usa pássaros para representar os vários aspectos das relações românticas.
Meu projeto vai na direção oposta a de Utamaro: unificados com seu meio ambiente, os Pássaros são como os andarilhos solitários das pinturas de Caspar Friedrich, nos convidando a refletir sobre nosso dilema existencial. Nos não vivemos no mesmo mundo que os Pássaros. Nos transformamos nosso mundo em um objeto do qual nos sentimos hoje alienados.
Mas é verdade também que nos também vivemos em cânions; vivemos nas falhas das nossas paixões que – tal qual a vegetação dos Aparados da Serra – agarram firmes nas rochas das falsas certezas. Tudo para não cair no abismo do Não-Conhecivel. Nos vivemos em livros. Nos vivemos dentro de nossas cabeças. Os Pássaros vivem no eterno frescor do momento – e nada mais precisa ser dito quanto a isso. É isso: os Pássaros vivem no lugar onde nada mais precisa ser dito. E ainda assim eles cantam. Talvez nos deveríamos morar onde Eles moram.
Na solidão das paisagens virgens, nos podemos redescobrir nossa intima relação com o mundo. E dentro dessa intimidade podemos ver que nunca estivemos separados daquilo que chamamos “natureza”. Nem mesmo quando nos transformamos essa “natureza”. Nos não estamos no mundo. “O mundo esta em nos”, diz um sábio hindu. Nos somos natureza.